segunda-feira, 4 de julho de 2011

Estudo publicado na revista Science aponta que pessoas que frequentam a pré-escola obtêm maior sucesso

O Jornal Correio Braziliense repercutiu estudo publicado no mês de junho pela revista Science, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, que aponta que pessoas que frequentam a pré-escola aos 4 ou 5 anos obtêm maior sucesso acadêmico e melhores empregos, entre uma série de outras vantagens. População pobre é a mais beneficiada por essa forma de ensino.

O jornal lembra que, nos próximos cinco anos, o Brasil precisará resolver a falta de acesso à educação infantil para cumprir o que estabelece a Emenda Constitucional n.° 56, de 11 de novembro de 2009. A partir dessa legislação passou a ser obrigatória a frequência na escola de crianças dos 4 aos 6 anos. Antes que a lei fosse aprovada, o país percorreu um longo caminho. Até a década de 1960, eram obrigatórios apenas os quatro anos que compõem a primeira fase do ensino fundamental. Em 1971, uma lei federal ampliou o então primeiro grau para oito anos. Em 2005, uma nova ampliação aconteceu, quando o ingresso de crianças com 6 anos passou a ser obrigatório, e o ensino fundamental, de nove anos. Além da educação infantil, o ensino médio também deixará de ser facultativo até 2016.

Confira a matéria de Max Milliano Melo:

UM BOM COMEÇO

A educação infantil sempre foi um desafio para governos e famílias. Enquanto o Poder Público historicamente destinou menos recursos para essa forma de ensino, tida como secundária e opcional, as famílias, muitas vezes, encaram as escolinhas como um simples passatempo para os filhos. No entanto, uma pesquisa destacada pela edição de hoje da Science mostra que a educação dos pequenos está longe de ser brincadeira. Depois de acompanhar, por 25 anos, cerca de 1,4 mil norte-americanos nascidos em bairros de baixa renda, pesquisadores da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos, descobriram que ter contato desde cedo com um ambiente escolar de qualidade pode ter imensos impactos positivos na saúde, na qualidade de vida e no mercado de trabalho, entre outros aspectos.

Os alunos acompanhados pelos cientistas foram divididos em dois grupos: os que frequentaram a pré-escola aos 4 ou 5 anos e os que ingressaram diretamente no ensino fundamental, aos 6. “Na ocasião, entre 1985 e 1986, escolhemos participantes com uma boa aptidão escolar. Aqueles que frequentaram o jardim de infância tiveram um efeito em grande escala em um conjunto amplo de aspectos socioculturais e de saúde até a vida adulta”, conta ao Correio Arthur Reynolds, líder do estudo. “Isso aconteceu não apenas porque as crianças tiveram acesso à pré-escola, mas porque frequentaram programas de alta qualidade, com atividades muito além das tradicionalmente ligadas ao jardim de infância, como brincar”, afirma.

Para conseguir acompanhar durante duas décadas e meia as milhares de crianças — que no fim do estudo já eram adultos com seus próprios filhos —, os pesquisadores tiveram a ajuda de uma ampla rede de instituições públicas. “O estudo contou com a colaboração de longo prazo das escolas públicas. Assim, à medida que os participantes iam mudando de nível de ensino, eles continuavam sendo acompanhados”, explica Reynolds. “Também coletamos dados administrativos, além de realizar entrevistas com alunos, pais e professores. Todas essas informações nos ajudaram a manter 90% da amostra original na idade adulta”, completa.

Embora todos os participantes residissem em bairros de baixa renda quando começaram a ser acompanhados, nem todos eram considerados pobres, segundo a definição do governo dos EUA. “Isso nos permitiu perceber que os mais desfavorecidos economicamente colhem mais benefícios da educação infantil do que os que são menos desfavorecidos”, afirma o pesquisador, para quem o estudo pode estimular investimentos na educação dos mais pequenos em lugares onde isso ainda não é uma realidade. “Se a educação pré-escolar produziu efeitos positivos num dos maiores sistemas educacionais do mundo, isso pode ser reproduzido em praticamente qualquer lugar. Com recursos e envolvimento dos pais, esse é um excelente exemplo a se seguir”, completa.

Desafios

Para especialistas em educação, o Brasil é um dos países onde a ampliação da educação infantil ainda é um desafio. Segundo o pedagogo e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Cleyton Gontijo, durante muitos anos esse nível educacional permaneceu em segundo plano nas políticas públicas brasileiras. “Nos últimos anos, o país experimentou um avanço grande. O ensino fundamental foi universalizado e o ensino médio teve uma forte ampliação. Mas só depois que esses dois níveis foram estabilizados é que a atenção e os recursos governamentais puderam ser direcionados para a educação infantil”, lembra o especialista.

Para ele, além de todos os efeitos positivos descritos na pesquisa norte-americana, existe ainda outra questão que, por si só, já seria suficiente para justificar a ampliação do acesso à educação infantil. “Dois pontos importantes causaram uma mudança drástica no comportamento das crianças nas últimas décadas. A primeira é a estrutura cada vez menor da família. Hoje não se tem núcleos familiares com vários irmãos e primos”, afirma Gontijo. Segundo o último censo do IBGE, feito em 2010, a taxa de fecundidade, ou seja, o número médio de filhos por casal, era de 1,94. Há 30 anos esse número era de 4,4 crianças por casal. “Outro ponto foi o aumento da violência, que faz com que as crianças, muitas vezes, não possam brincar na rua com os vizinhos”, completa.

Com um núcleo familiar menor e “presas” em casa, as crianças passaram a necessitar mais da escola, um importante local de socialização e de desenvolvimento de habilidades, criatividade, senso estético e motricidade. “Além disso, do ponto de vista educacional, o acesso cada vez mais cedo à escola torna a criança mais preparada para a alfabetização.” Por essa razão, em 2016, a pré-escola deve se tornar obrigatória para todas as crianças brasileiras.

A coordenadora-geral de Educação Infantil da Secretaria de Educação Básica, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), Rita Coelho, admite que o acesso ao ensino de qualidade para os estudantes mais novos ainda é um problema. “Esse é o nível que apresenta as mais altas taxas de profissionais não habilitados e de espaços físicos inadequados. Os indicadores de qualidade na educação infantil são os mais baixos entre todos os níveis educacionais”, afirma a gestora pública. “Assim como qualquer política social em um país marcado por desigualdades, o acesso à educação infantil é desigual. Esses problemas se apresentam especialmente para as comunidades pobres, negras, do campo e das periferias”, completa.

Para ela, o atraso é fruto de uma cultura que, por muito tempo, não valorizou as crianças mais novas. “Segundo a Constituição de 1988, a educação infantil não fazia parte do sistema educacional nacional. As crianças menores demoraram muito para serem vistas como sujeitos de direito. Essa visão de que para os pequenos qualquer coisa serve atrasou a profissionalização da educação infantil”, conta Rita. “Tanto a qualidade da oferta, a quantidade de vagas oferecidas e os recursos investidos cresceram muito, mas, como se trata de políticas muito recentes, ainda é um desafio enorme crescer sem abrir mão da qualidade.”

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